A cidade de São Paulo se prepara para mais uma audiência pública para discutir a implementação de alguns novos trechos de malha cicloviária, referentes à nova meta municipal de implantar 300 novos quilômetros até 2024. A sistematização das oficinas anteriores, que deram origem ao Plano Cicloviário 2020 e à priorização de vias por Subprefeitura pode ser encontrada neste link.
Uma vez que as estruturas cicloviárias são tratadas como estruturas de proteção (para ciclistas) e de acalmamento de tráfego (para a população como um todo) no Plano de Segurança Viária do Município de São Paulo (SMT, 2019), torna-se relevante ter uma visão sobre quais são as vias mais perigosas da capital paulista para pedestres e ciclistas, tendo como base os dados de ocorrências com vítimas no trânsito dos últimos cinco anos.
Isso nos ajuda a saber se as estruturas discutidas estão sendo posicionadas onde são mais necessárias. Vemos que, em especial nas estruturas propostas para a Zona Norte, as ciclovias e ciclofaixas estão sendo pensadas para vias críticas, com altos índices de ocorrências de trânsito com vítimas.
O mapa interativo a seguir destaca três camadas principais. Primeiro, a da malha cicloviária em discussão (em azul). Segundo, a classificação das vias críticas da cidade, de acordo com suas respectivas classificações de Unidade Padrão de Severidade – UPS, ponderadas para dar maior peso a ocorrências envolvendo pedestres e ciclistas (em gradações de vermelho) – detalhes sobre a UPS são apresentados abaixo do mapa. Por fim, é possível ver a infraestrutura cicloviária atual (em verde). Todas as camadas podem ser habilitadas ou desabilitadas para melhor visualização.
O mapa acima é interativo. Clique para habilitar ou desabilitar as camadas. É possível aproximar ou afastar a visão de forma a poder ver em detalhes regiões mais específicas. Passar ou mouse pelas linhas vermelhas (UPS) e verdes (rede cicloviária existente) traz informações sobre aquele local. Por favor, leia as observações relevantes sobre possíveis distorções na classificação da UPS em vias pouco ou muito extensas na seção de “Metodologia” para evitar interpretações errôneas.
É importante notar que a visualização por UPS considera as ocorrências de trânsito com vítimas e que uma ocorrência pode ter mais de uma vítima morta e/ou ferida. Ou seja, os números de pessoas mortas ou feridas são necessariamente maiores do que o de ocorrências.
Metodologia – Como foi gerado o mapa?
Em anos anteriores, a Ciclocidade, junto com a Cidadeapé, fez mapas por Subprefeitura dos locais mais perigosos para pedestres e ciclistas, tendo como base os conjuntos de anos 2015-2017 e 2016-2018. Naquelas ocasiões, usamos o georreferenciamento existente na base de dados original da CET para fazer as visualizações.
Entretanto, a experiência com esta base de dados tem nos levado a crer que há problemas no georreferenciamento, com concentrações de pontos que deveriam estar distribuídos ao longo de vias e mesmo pontos em locais diferentes do endereço registrado para a ocorrência.
Uma outra forma de chegar a uma visão preliminar das vias mais perigosas em termos de ocorrências de trânsito é abordada no Plano de Segurança Viária do Município de São Paulo (SMT, 2019). É o cálculo da chamada Unidade Padrão de Severidade (UPS).
Em vez de observar os pontos críticos, ou seja, os locais que concentram as ocorrências de trânsito com vítimas, a UPS considera as vias como um todo. Além disso, dá peso maior às ocorrências em que há vítimas mortas e às com vítimas pedestres feridas. Destaca, assim, as ruas e avenidas em que a violência no trânsito é maior.
A sugestão de usar a UPS como forma de detectar as vias críticas da cidade havia sido apresentada originalmente na versão revista do Relatório Anual de Acidentes de Trânsito de 2017 (SMT e CET, 2018). A fórmula original provém de uma publicação do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) de 1987, difícil de encontrar online devido à época de publicação. Mas ela é comentada na literatura, como por exemplo no Dossiê Trânsito 2012 (Instituto de Segurança Pública, 2012), que cita ainda diferentes adaptações da fórmula original. Finalmente, uma publicação recente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) traz uma classificação de criticidade relacionada às UPS no contexto de rodovias (DNIT, 2020).
A fórmula inicial de cálculo da UPS
A fórmula de cálculo da UPS inicial apresentada a seguir é a mesma contida o Plano de Segurança Viária de São Paulo. Como se vê, pesos maiores são associados a ocorrências com mortes e vítimas feridas.
UPS = DM + 4VF + 6PF + 13FAT
Em que:
DM = Ocorrências de trânsito com danos materiais;
VF = Ocorrências de trânsito com vítimas feridas;
PF = Ocorrências de trânsito com pedestres feridos; e
FAT = Ocorrências de trânsito com vítimas mortas
Fonte: SMT e CET, 2018; SMT, 2019.
Uma vez que a base de dados da CET não registra ocorrências de trânsito sem vítimas, o cálculo final descartará a primeira variável, conforme sugerido pela própria SMT e CET (SMT e CET, 2018; SMT, 2019). Outra modificação é que a ponderação inicial para vítimas feridas diferencia somente pedestres – consideraremos também vítimas ciclistas na terceira variável da fórmula, apresentada a seguir. Finalmente, o cálculo da UPS levará em conta as ocorrências não somente de um ano-base, mas a média dos últimos 5 anos.
Fórmula final de cálculo da UPS
A fórmula final de cálculo da Unidade Padrão de Severidade para as vias de São Paulo ficou da seguinte forma:
UPS = 4VF + 6PCF + 13FAT
Em que:
VF = Ocorrências de trânsito com vítimas feridas;
PCF = Ocorrências de trânsito com pedestres ou ciclistas feridos; e
FAT = Ocorrências de trânsito com vítimas mortas
Fonte: Adaptação a partir de SMT e CET, 2018; SMT, 2019.
A UPS é então calculada para todas as vias da cidade a partir dos dados dos últimos cinco anos (2016 a 2020). Dos valores anuais é extraída uma UPS média, que por sua vez é dividida pela extensão da via de forma a chegar ao valor da UPS por quilômetro.
Finalmente, a classificação da UPS nas categorias de “nula”, “muito baixa”, “baixa”, “média”, “alta” e “muito alta” segue o proposto em DNIT (2020). A imagem a seguir ilustra o processo. No mapa interativo, são apresentadas somente as vias com classificação de UPS média, alta ou muito alta.
Observações importantes sobre o método
É importante ressaltar que este método considera como extensão da via a extensão em metros das linhas presentes no arquivo de Geosampa / Logradouros e calculadas no QGIS (variável $length), uma abordagem diferente da apresentada no Plano de Segurança Viária. Isso porque a CET considera vias com canteiro central, por exemplo, como uma linha só (em vez de duas). Na prática, isso torna as UPS apresentadas no mapa muito mais conservadoras do que as listadas como exemplo no Plano.
Outra observação relevante relacionada ao método e intrínseca à escolha de fazer a visualização por Unidades Padrão de Severidade (em vez de por pontos críticos) é que algumas vias curtas, com poucas quadras, podem apresentar uma UPS alta, enquanto vias longas podem ter sua UPS diluída devido à sua extensão. Nestes casos, a observação por pontos críticos e com base nos dados de georreferenciamento torna-se complementar à das UPS.
De forma a mitigar interpretações equivocadas, estão inseridas no mapa as quantidades de ocorrências com vítimas mortas (oc_vit_mortas), com vítimas pedestres ou ciclistas feridas (oc_vit_pc_feridas) e com vítimas não pedestres ou ciclistas feridas (oc_vit_npc_feridas) somadas para os últimos cinco anos – basta passar o mouse pela estrutura para visualizá-las e avaliar se há distorção na classificação.
As duas imagens a seguir trazem o exemplo de uma via extensa e perigosa, corretamente classificada com UPS muito alta, e o de uma via curta, cuja classificação de criticidade fica distorcida devido à sua baixa extensão.
Referências e fontes de dados
DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Boletim Administrativo Edição n° 147. Brasília: [s. n.], 2020. Disponível em: https://www.gov.br/dnit/pt-br/central-de-conteudos/publicacoes/boletim-administrativo/2020/agosto/no-147-de-03-de-agosto-de-2020.pdf. Acesso em: 25 out. 2021.
ISP, Instituto de Segurança Pública. Índice de Severidade dos Acidentes de Trânsito no Rio de Janeiro. In: DOSSIÊ TRÂNSITO, 2012. 1. ed. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública (RJ), 2012. (Série Estudos 6, v. 2). p. 70. E-book. Disponível em: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/DossieTransito2012.pdf. Acesso em: 25 out. 2021.
SMT, Secretaria de Mobilidade e Transportes. Plano de Segurança Viária do Município de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Mobilidade e Transportes, 2019. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/plano_de_segurana_viaria_pmsp_2019_web_1558984227.pdf. Acesso em: 25 out. 2021.
SMT, Secretaria de Mobilidade e Transportes; CET, Companhia de Engenharia de Tráfego. Relatório Anual de Acidentes de Trânsito 2017. São Paulo: Secretaria de Mobilidade e Transportes, 2018. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/media/785452/Relatorio_anual_acidentes_transito_2017.pdf. Acesso em: 25 out. 2021.
Fontes de dados
Os dados de ocorrências de trânsito com vítimas provêm do SAT-CET – Sistema de Acidentes de Trânsito de 2005 a 2020 e foram acessados via Lei de Acesso à Informação. Podem ser baixados diretamente do GitLab da Ciclocidade neste link.
O arquivo shapefile com as vias da cidade de São Paulo é a camada de Sistema Viário / Logradouro datando de julho de 2021e publicada na plataforma de dados abertos Geosampa. Já a infraestrutura cicloviária existente é a camada Transporte / Rede Cicloviária, datando de julho de 2021, da mesma fonte.
As ciclovias e ciclofaixas propostas foram traçadas em mapa no QGIS a partir da informação visual contida no mapa proposto para a discussão na audiência pública, contido neste link. Informações detalhadas sobre os trechos podem ser vistas neste link. Dados sobre a audiência pública estão neste link.