O impacto das ocorrências de trânsito no sistema de saúde

Um trabalho digno de detetive. Acompanhar dados de vítimas do trânsito e como se relacionam ao sistema de saúde não é tão simples quanto parece. Temos muitas fontes, com graus distintos de abrangência e confiabilidade. As bases, porém, cobrem momentos específicos e muitas vezes não se conversam, evidenciando que não temos informações sobre um grande número de vítimas. Ainda assim, olhá-las forma um panorama geral interessante e nos dá indícios sobre o que está acontecendo nos diferentes momentos após as ocorrências, algo que pode ser resumido da seguinte forma:

  1. O número de ocorrências de trânsito com vítimas vem caindo desde 2012, fazendo diminuir tanto o número total de vítimas fatais quanto não fatais;
  2. Proporcionalmente, o número de pessoas que morrem no local da ocorrência ou nas primeiras 24h vem aumentando. São principalmente pedestres e motociclistas, embora houve aumento para ciclistas. Isso significa que, dos incidentes que ainda precisam ser combatidos, há um percentual crescente de ocorrências mais graves. Ocorrências mais graves costumam estar relacionadas a velocidades altas, que geram impactos maiores (em especial, em quem não está sob a proteção de um veículo fechado);
  3. O número de vítimas de trânsito sendo atendidas em hospitais e ambulatórios aumentou em 2017. Uma vez mais, são principalmente pedestres e motociclistas. O número relacionado a ciclistas também subiu e está chegando próximo ao patamar de ocupantes de automóvel. Tais pessoas têm recebido mais tratamento médico, passado menos tempo no hospital e morrido menos no sistema de saúde. Aparentemente, também têm ficado menos invalidadas em decorrência de incidentes de trânsito, embora este número específico (número de vítimas invalidadas) é registrado por um indicador único e extremamente frágil – o número de ativações do seguro DPVAT;
  4. Finalmente, as bases de dados cobrem bastante coisa. Mas ainda não sabemos ao certo o que acontece com um terço a metade das vítimas, que são registradas nas ocorrências com vítima pela CET mas não pelo Sistema Único de Saúde (SUS). São pessoas que podem ter sofrido ferimentos leves e não precisaram de qualquer tipo de atendimento; que deram entrada por conta própria em algum sistema de saúde não conveniado ao SUS; ou mesmo deram entrada em hospitais de outras cidades. O buraco é tão grande que nem seu tamanho é possível precisar.

Acontece uma ocorrência com vítima

Bases: CET Polícia Militar

Quando há uma ocorrência com vítima, é comum que as pessoas liguem para os telefones de emergência 190, 192 ou 193 – respectivamente, da Polícia Militar, SAMU (ambulâncias) e Corpo de Bombeiros. A Polícia Militar mantém uma base de dados de tais ocorrências, a qual repassa mensalmente à CET e ao Infosiga, que fazem seus respectivos tratamentos: o da CET consiste em uma análise bastante aprofundada, enquanto o do Infosiga se foca pricipalmente na validação de ocorrências fatais. Já SAMU e Bombeiros registram apenas as ocorrências às quais atenderam.

Desta forma, embora a base da Polícia Militar seja a “maior”, requer tratamento qualitativo especializado e é pouco utilizável em seu formato existente para um público mais amplo. Quem mantém a melhor base qualificada sobre o número de incidentes de trânsito, assim como suas características, é a CET.

O que dizem os dados?

O número de incidentes de trânsito com vítimas vem caindo em São Paulo desde 2012, chegando à metade do registrado em 2017. O mesmo vale para a quantidade de pessoas feridas.

Se o número de ocorrências vem caindo, a proporção de pessoas mortas em decorrência deles começou a subir a partir de 2015, indicando que de uma forma geral os incidentes têm sido mais graves. Cerca de 5% das vítimas de trânsito morreram em 2017; em 2012, a porcentagem era de 3,5%. Os números vêm da base de dados da CET acessada via Lei de Acesso à Informação, não do relatório anual publicado no site da companhia. Isso porque esta é uma forma mais eficiente de comparar o histórico, já que a CET mudou a forma como computa as mortes no trânsito a partir do relatório publicado em 2017 (relativo a 2016) sem atualizar os gráficos relativos aos anos anteriores, na prática misturando as duas metodologias nos gráficos publicados (veja a explicação no infográfico abaixo).

Já a divisão entre veículos envolvidos tende a ser similar ao longo dos últimos anos – olharemos esse dado em particular com mais profundidade em outra página.

Possibilidade 1: Vítima morre no local

Bases: CET  SIM (SUS)

Por ser a ocorrência de maior gravidade, dados sobre morte costumam ser os mais completos. Conforme vimos acima, cerca de 5% das vítimas do trânsito morreram em 2017. Este número pode ser dividido entre as pessoas que morrem no próprio local onde sofreram a violência e as que falecerão após entrarem no sistema de saúde, seja a caminho do hospital, durante o atendimento inicial ou ao longo dos próximos dias ou anos.

O que dizem os dados?

Segundo os relatórios anuais da CET, a divisão entre pessoas que morrem no local é de um terço e as que morrem após serem atendidas é de dois terços. Com relação ao número total de vítimas (mortas + feridas), representam 1,64% e 3,26%, respectivamente.

Ainda de acordo com os relatórios da CET, o número de pessoas que morre no local – ou seja, que foram vítimas de uma ocorrência gravíssima – vinha aumentando desde 2012, caiu bastante em 2016, e voltou a subir em 2017, interrompendo a tendência de queda.

A base de dados do SIM-SUS, embora não necessariamente comparável à da CET (ver observações ao final desta página), registra uma movimentação semelhante. Mortes no local começaram a subir a partir de 2013 e caíram em 2016. Segundo a base do SIM-SUS, entre 2014 e 2016, a proporção de motociclistas mortos no local aumentou, enquanto a de pedestres diminuiu. Como ainda não dados há disponíveis para 2017, não é possível avaliar aquele ano.

Outra forma de ver esses dados é avaliar não a morte no local, mas as ocorridas no primeiro dia. Neste caso, a base de dados da CET adquirida via LAI permite fazer esta caracterização.

Nos últimos três anos (2015-2017), aumentou a proporção de pedestres e ciclistas mortos nas primeiras 24h, enquanto a de ocupantes de automóveis diminuiu. Para motociclistas, vinha subindo até 2015, baixou em 2016 e voltou a subir em 2017. De um modo geral, a virada do ano de 2016 para 2017 significou maior participação proporcional nas mortes para quem está fora da proteção de veículos fechados: pedestres, ciclistas e motociclistas.

Possibilidade 2: Vítima é atendida e dá entrada no sistema de saúde

Bases: SAMU Bombeiros SIVVA SIH (SUS) DPVAT

Existem vários órgãos que registram a entrada das vítimas no sistema de saúde, mas a profusão de bases esconde dois problemas fundamentais.

Primeiro, os sistemas não conversam entre si, então não é possível saber quando estão registrando a mesma coisa e quando não estão. Por este motivo, é preciso olhar esses dados como uma paisagem – uma paisagem que traz indícios do que está acontecendo, mas que não está plenamente conectada. Não totalmente dadaísta ou surrealista, mas pelo menos impressionista.

Segundo, há um enorme buraco sobre o que realmente sabemos sobre as vítimas atendidas. Tão grande que é difícil até estimar o tamanho. Se usarmos como base o número de vítimas de ocorrências de trânsito registrado pela CET e o número de pessoas atendidas registrado nos diferentes órgãos públicos de saúde (SIVVA e SIH-SUS), vemos que cerca de um terço das vítimas não estão computadas.

O que acontece com o restante? Não é possível saber. São pessoas que podem ter sofrido ferimentos leves e não precisaram de qualquer tipo de atendimento, que deram entrada por conta própria em algum sistema de saúde não conveniado ao SUS, ou mesmo deram entrada em hospitais de outras cidades. É possível imaginar também, vendo bases como a do SIVVA, que existe subnotificação dos casos registrados pelo próprio SUS.

Já com relação às vítimas mortas em hospitais, a base do SIH-SUS tem registrado em média apenas um terço do número apontado por outra base também do SUS, a SIM-SUS. Faltam dois terços nessa conta, provavemente de pessoas que estavam em hospitais não conveniados ao Sistema Único de Saúde. A proporção de pessoas que morrem é de cerca de 5% do total de vítimas de ocorrências de trânsito; das que morrem em hospitais é 3,33%.

Seja como for, o resultado é que não sabemos o que está acontecendo com um terço a metade das vítimas – nos últimos três anos (2015 a 2017), a média de pessoas que deram entrada no SUS, se comparado ao número de vítimas registrado pela CET, foi de 54%; considerado somente 2017, foram 71%.

O que dizem os dados?

O número de atendimentos registrados pelo SAMU e pelos Bombeiros tem caído junto com o número de ocorrências registradas pela CET, mas em proporção menor a partir de 2016.

Já a virada dos anos de 2016 para 2017 registra alta em diferentes indicadores. O número de ativações do seguro DPVAT para cobrir gastos com despesas médicas aumentou, sendo que o valor médio pago por indenização vem subindo desde 2014. Também aumentaram o número de atendimentos ambulatoriais e hospitalares registrado pelo SIVVA, assim como o número de internações em hospitais registrado pelo SIH-SUS. Também subiu o número de vítimas que morreram a caminho do estabelecimento de saúde registrado pelo SIVVA, o que é um indicador da gravidade dos incidentes.

É importante salientar que o número bruto de pedestres, ciclistas e motociclistas internados em hospitais aumentou de 2016 para 2017, na contramão da queda do número de ocorrências e de fatalidades que vem sendo registrada.

Isso pode ser um indicativo de que equipamentos de segurança presentes em veículos motorizados fechados estão puxando o número de vítimas ocupantes de automóveis para baixo, ao passo que quem está com corpo mais exposto à violência do trânsito permanece sem esse tipo de proteção – algo que só é possível com medidas eficientes de acalmamento de tráfego que reduzam velocidades.

As bases do SIVVA e do SIH-SUS registram uma diminuição na proporção de pedestres atendidos entre 2011 e 2017, sendo que a segunda aponta aumento no número de internações de motociclistas.

A média de tempo de internação para vítimas de trânsito é de 6 dias – para pedestres é mais alta (6,9 dias), enquanto condutores de automóveis (6,4) e motociclistas ficam mais próximos a ela (5,6) e ciclistas um pouco abaixo (4,6).

Quando vemos a média dos custos de internação (apenas os registrados no SIH-SUS) por tipo de vítima, ocupantes de automóvel requerem maior grau de cuidados (média de R$ 2.372 em 2017), seguidos de pedestres (R$ 1.756) e motociclistas (R$ 1.549). Como mencionado, o número de ciclistas internados aumentou em 2017 e está quase chegando no mesmo patamar de ocupantes de automóveis – a média de seus custos de internação também tem subido desde 2011 (R$ 772), registrando R$ 1.383 em 2017, indicando aumento de gravidade das ocorrências. Observação: Todos os valores citados estão ajustados para o mês de maio de 2018.

Outros dados relacionados ao sistema de saúde

Bases: SIVVA SIH (SUS) SIM (SUS) DPVAT CET Infosiga

Os outros dados dos sistemas de saúde apontam que, se a proporção de pessoas que morre no local ou nas primeiras 24h tem aumentado, há menos pessoas morrendo nos hospitais devido a incidentes de trânsito.

Também há menos pessoas pedindo ativação do seguro DPVAT por invalidez. Embora isso pudesse significar que as sequelas resultantes das ocorrências têm sido menores, deve-se ressaltar a fragilidade deste único indicador disponível sobre vítimas invalidadas. O DPVAT depende de ativação por parte de vítimas ou familiares e não se sabe ao certo a distância entre o número de vítimas invalidadas real e o número de ativações do seguro.

O que dizem os dados?

Os dados do Sistema de Internações Hospitalares (SIH-SUS) apontam um aumento no número de internações relacionadas a “acidentes terrestres” em 2017, refletido no total de internações do sistema SUS, no total de custos do sistema e de custos de UTI.

Para as vítimas que morrem após dar entrada no sistema de saúde como um todo, vemos que o perfil era composto, em 2016, principalmente por pedestres e motociclistas (SIM-SUS, dados de 2017 ainda não disponíveis).

Quando olhamos especificamente as vítimas mortas dentro de hospitais conveniados ao SUS (SIH-SUS), houve uma grande redução de ocupantes de automóveis em 2017 (de 17,74% em 2016 para 7,11%) e aumento de vítimas ciclistas (de 3,23% em 2016 para 4,27% em 2017), fazendo com que o número relacionado a ciclistas comece a se aproximar do de ocupantes de automóveis. O número de vítimas pedestres mortas após a internação também aumentou de 43,55% em 2016 para 53,08% em 2017.

Já a base do SIVVA registra ligeira oscilação no percentual de vítimas que tiveram alta após receberem atendimento ambulatorial ou hospitalar: para baixo entre os anos de 2014 e 2016 e para cima em 2017. Isso levanta uma outra questão que é muito difícil responder com as bases de dados existentes: o que está acontecendo com o número de vítimas com sequelas ou invalidez?

Esse dado está sendo resgatado hoje apenas pelo número de ativações do seguro DPVAT relacionado a invalidez, que vem registrando queda desde 2014. Porém, este é um dado frágil, uma vez que não se sabe o percentual de pessoas que ficaram invalidadas e efetivamente ativaram o seguro. Como também há um prazo de até 3 anos para que as vítimas ou familiares ativem o seguro, pode ser que o ano de 2017 ainda não esteja plenamente refletido no número de ativações.

Com relação ao total de ativações por morte, o número vinha caindo desde 2012 mas curiosamente aumentou em 2017.  A exemplo do SIVVA, que vem registrando queda no número de mortes no atendimento desde 2014, as bases relacionadas ao SUS (SIH e SIM) também vêm registrando queda nas mortes em hospitais. Uma vez mais, vemos que as principais vítimas mortas em hospitais são pedestres e motociclistas. Ciclistas também têm aumentado de número.

Possibilidade 3: Vítima não entra em sistema de saúde conveniado ao SUS

Bases: Não existem

Como mencionado, temos muitas fontes de dados que relacionam vítimas de trânsito aos sistemas de saúde, com graus distintos de confiabilidade. São especialmente interessantes as bases da CET, as relacionadas ao SUS (SIH e SIM) e a do SAMU, sendo que a primeira e a última só podem ser acessadas por Lei de Acesso à Informação. Ainda assim, não sabemos ao certo o que acontece com um terço a metade das vítimas.

São pessoas que podem ter sofrido ferimentos leves e não precisaram de qualquer tipo de atendimento, que deram entrada por conta própria em algum sistema de saúde não conveniado ao SUS, ou mesmo deram entrada em hospitais de outras cidades. É possível imaginar também, vendo bases como a do SIVVA, que há subnotificação dos casos registrados pelo próprio SUS. Seja como for, o resultado é que hoje não é possível saber o que aconteceu com elas.

Uma parte dessas pessoas morrerá e será registrada pela base do SIM-SUS; outra pedirá indenização pelo seguro DPVAT. Porém, na grande maioria dos casos das sobreviventes, não temos como mensurar o impacto nos custos dos hospitais, a média de diárias de internação ou de ocupação de leitos.

O que as bases não dizem

Além da já citada falta de um indicador confiável sobre o número de vítimas invalidadas devido a ocorrências de trânsito, temos também outras duas limitações que merecem menção.

A primeira delas é a base de dados do Corpo de Bombeiros, que abrange o estado de São Paulo mas não discrimina a capital. Esses dados poderiam conter indicadores preciosos sobre a gravidade das ocorrências, uma vez que os bombeiros não apenas podem chegar a prestar atendimentos como liberam pessoas presas nos escombros e latarias de veículos.

A segunda é que temos dados sobre mortos e feridos, mas não sobre a gravidade das pessoas feridas. Tal informação ajudaria a filtrar locais onde há muitas ocorrências mas sem gravidade de outros onde há poucas mas muito sérias, por exemplo. Seria possível fazer uma ponte entre as bases de dados da CET e do SAMU de forma a indicar esse tipo de ocorrência, mas atualmente essa referência não existe.

Textos de referência

Os valores de internação registrados pela base do SIH-SUS não são suficientes para estimar o impacto das ocorrências com vítimas de trânsito no sistema de saúde, em especial com relação aos custos. Para entender as questões do trânsito, saúde e seus impactos na vida das pessoas é importante olhar para estudos mais amplos, como os realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).

O IPEA é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, cujas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros. Em 2003, o IPEA publicou o estudo Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas, que teve como objetivo identificar e mensurar os custos provocados pelas colisões de trânsito nas aglomerações urbanas. Um diferencial da pesquisa foi estimar o custo de queda de pedestres em calçada, ou seja, uma tipo de ocorrência sem a presença de veículos.

O método considerou diversas fontes de custos, como perda de produção, danos aos veículos, médico-hospitalar, processos judiciais, congestionamentos, previdência social, resgate de vítimas, remoção de veículos, danos ao mobiliário urbano e propriedades de terceiros, locomoção em outros meios de transporte, danos à sinalização de trânsito, atendimento policial e agentes de trânsito, e impacto familiar. O resultado estimado de custo de colisões de trânsito nas áreas urbanas no Brasil foi R$ 5,3 bilhões de reais valor de abril/2003. A pesquisa também indicou que 43% do custo provém da perda de produção, 29% de danos aos veículos e 13% de atendimento médico-hospitalar. Como conclusão, recomendou prioridade à redução de colisões com vítimas, políticas específicas para motociclistas, ações voltadas para a circulação de pedestres, melhoria das informações sobre as colisões de trânsito, e o aprimoramento do cadastro nacional de veículos (RENAVAM).

Em 2015, o IPEA desenvolveu uma Nota Técnica (Estimativa dos Custos dos Acidentes de Trânsito no Brasil com Base na Atualização Simplificada das Pesquisas Anteriores do IPEA) atualizando as estimativas da pesquisa de 2003, por meio de correção financeira pelo IPCA e variação de mortes constantes do Datasus. O custo das colisões de trânsito em aglomerações urbanas encontravam-se em uma faixa de R$ 9,9 bilhões a R$ 12,9 bilhões por ano (base 2014). Como conclusão, o relatório indica “a necessidade de implementação de políticas públicas que visem reduzir tanto a quantidade total de acidentes de trânsito quanto sua gravidade, como políticas de fiscalização e controle da velocidade, habilitação dos condutores e verificação das condições dos veículos, além da efetivação daquelas voltadas para a educação e para a melhoria da infraestrutura viária”.

Em 2016 foi publicado o Texto para Discussão 2212 – Mortes por acidentes de transporte terrestre no Brasil: análise dos sistemas de informação do Ministério da Saúde, onde Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur), do IPEA, apresenta uma caracterização geral das mortes por colisão de trânsito no Brasil, explorando os dados de mortalidade e morbidade (internações hospitalares). Ao final do documento, há um interessante estudo sobre modelo de regressão para previsão do número de mortes por unidades da federação, com aderência para renda per capita e posse de motocicleta. Dentre algumas conclusões sobre políticas para redução de colisões, diz que “a redução da velocidade de tráfego é um objetivo importante a se buscar, principalmente para reduzir os atropelamentos. A multiplicação de equipamentos de monitoração da velocidade proporcionou a queda desse tipo de acidente no país, mas é fundamental investir igualmente em infraestrutura de segurança para pedestres e ciclistas, principalmente nas áreas urbanas”.

Já a Abramet, fundada em 1980, “é uma entidade médica, sem fins lucrativos, que congrega os especialistas em Medicina de Tráfego (Resolução CFM nº.1.634/2002), desenvolvendo ações, estudos e pesquisas visando à prevenção de acidentes decorrentes da mobilidade humana, procurando evitá-los ou mitigar a dor por eles provocada”. A publicação Acidentes de Trânsito no Brasil: Um Atlas de sua Distribuição, de 2007 e a segunda edição atualizada em 2013 contém ampla análise de dados sobre frota de veículos e indicadores de mortos e feridos no trânsito, com séries históricas detalhadas por estados brasileiros, e explica porque o problema do trânsito é de fato um problema de saúde pública:

“O problema do trânsito, no Brasil, constitui-se em um verdadeiro mosaico para a formação do qual concorrem diversos setores ou áreas – governamentais ou não – como segurança, engenharia ligada à indústria automobilística e aos transportes, educação, legislação, medicina curativa e preventiva, entre outras. Com relação aos acidentes, sua complexidade reside no fato de eles serem causados por um conjunto de circunstâncias e fatores ambientais, ligados ao usuário, ao veículo e à via pública. Neste aspecto, é sobre o setor saúde que vai recair o maior ônus de todas as suas consequências. É o setor saúde quem vai cuidar dos feridos, contabilizar as mortes e arcar com os importantes aspectos ligados às sequelas, não poucas vezes irreversíveis. (ABRAMET, 2013).”

Além das fontes citadas, o site Por Vias Seguras apresenta uma coletânea de artigos e estatísticas sobre as colisões de trânsito no Brasil é uma boa referência a ser consultada.


Entenda as diferentes fontes de dados

Segue abaixo uma listagem dos órgãos que monitoram ocorrências com vítimas e dados de mortes no trânsito. Fica clara a importância da Lei de Acesso à Informação (LAI) para acessar os dados relacionados a vítimas do trânsito ao observarmos as bases existentes.

Infosiga – Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo: Atualização mensal. A base é mantida pelo Governo do Estado e possui dados estaduais, mas pode ser baixada do site e isolada por cidade. Vale para ter uma atualização frequente e rápida do número de mortos no trânsito, mas o restante da base é incompleto, com vários buracos não preenchidos.

SIH (SUS) – Sistema de Informações Hospitalares do SUS: Atualização mensal/bimensal. Registra o número de internações hospitalares em hospitais conveniados ao SUS. A base é nacional e mantida pelo Ministério da Saúde. Dividida por estados, pode ser baixada do site e isolada por cidade. Como o status das internações muda ao longo do tempo, a base pode ser atualizada para consolidação até 1,5 ano após o registro da internação. É importante notar que vítimas de ocorrências de trânsito de outras cidades podem dar entrada em hospitais de São Paulo, assim como o contrário (vítimas de São Paulo darem entrada em hospitais de outras cidades). O ideal seria que o SIH-SUS possuísse uma coluna referente à cidade onde ocorreu o incidente, para que tal filtro pudesse ser feito. Leia aqui como baixar as bases de dados do SUS e sobre a Classificação Internacional de Doenças (CID10), usada para isolar os registros relacionados a vítimas de trânsito.

SIVVA / SIVA – Sistema de Informações para Vigilância de Violências e Acidentes: Atualização mensal/bimensal. Mantida pela Coordenação de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-COVISA) em conjunto com as Supervisões de Vigilância em Saúde (SUVIS), registra internações hospitalares e ambulatoriais na cidade de São Paulo. Tem como fonte a notificação de atendimentos de vítimas de violências/acidentes por profissionais de saúde, feita por meio de uma ficha padronizada pela Portaria SMS 1328/07. A partir de 5 de julho de 2015, os acidentes passaram a ser notificados no SIVA – Sistema de Informação para a Vigilância de Acidentes, que continua sendo gerenciado pela COVISA, e as situações de violências notificadas e registradas no Sistema Nacional de Agravos de Notificação – SINAN Net. A base é municipal e os dados ficam disponíveis na limitada plataforma TABNET do SIVVA. A atualização é mensal ou bimensal, mas a consolidação dos dados pode se dar até 1,5 ano depois. Dados brutos devem ser pedidos via Lei de Acesso à Informação.

CET – Relatório Anual de Acidentes de Trânsito: Atualização anual. Traz dados sobre mortos e feridos no trânsito, assim como o total de ocorrências com vítimas em grandes relatórios em formato PDF. A base da CET é municipal e os dados brutos que compõem os relatórios devem ser pedidos por Lei de Acesso à Informação após publicação anual, por volta de abril/maio. É um dos trabalhos mais minuciosos de caracterização das ocorrências, assim como vítimas e veículos envolvidos.

SIM (SUS) – Sistema de Informações de Mortalidade: É a base mais completa sobre mortes no trânsito, mas a consolidação dos dados é feita após cerca de 1,5 ano. A base está dividida por estados, mas pode ser baixada do site e isolada por cidade. Pode ser acessada também pela limitada plataforma TABNET do SIM. Gerido pelo Departamento de Análise de Situação de Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde, em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Leia aqui como baixar as bases de dados do SUS e sobre a Classificação Internacional de Doenças (CID10), usada para isolar os registros relacionados a vítimas de trânsito.

Corpo de Bombeiros: Atualização mensal no site da Polícia Militar, mas não possui relatório publicado dividido por cidades, portanto os dados brutos devem ser pedidos por Lei de Acesso à Informação. Registra dados de atendimentos a ocorrências de trânsito feitos pelo Corpo de Bombeiros no Estado de São Paulo.

SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência: Não possui relatórios publicados e dados devem ser pedidos por Lei de Acesso à Informação. A base é municipal e registra dados de atendimentos feitos a ocorrências de trânsito com vítimas.

DPVAT – Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre: Não possui relatórios por cidade publicados online. Para o estado de São Paulo, há dados anuais da Seguradora Líder, mas como a empresa não responde a solicitações por SAC ou ouvidoria relacionados esses dados, o pedido de Lei de Acesso à Informação deve ser endereçado à Superitendência de Seguros Privados – SUSEP (órgão federal), que é para quem ela presta contas mensalmente. Traz dados sobre a ativação do seguro para despesas médicas, invalidez e mortes relacionadas a ocorrências com vítimas. Divulgação muito ruim dos dados. Ao olhar esses dados, é preciso ter em mente que vítimas ou familiares podem resgatar o DPVAT em até 3 anos do atendimento médico ou morte, o que significa que os dados demoram a ser refletidos nesta base.